Veículo: Jornal A Notícia e Site AN
Título: Uma nova chance: Vidas transformadas pela doação de órgãos
Data de veiculação: 24/10/2018
Confira na íntegra a matéria:
Uma nova chance
Vidas transformadas pela doação de órgãos
Por Cláudia Morriesen
claudia.morriesen@somosnsc.com.br
Há mais de dez anos consecutivos, Santa Catarina lidera o ranking em doação de órgãos no Brasil, com o índice de 40,6 doadores por milhão de pessoas. Neste período, houve uma queda de quase 70% na lista de espera por um órgão.
Maior cidade do Estado, Joinville é a que mais realiza transplantes: no ano passado, foram 28 captações e, nos primeiros seis meses de 2018, 20. São estes números que trazem esperança para pacientes como a baiana Lucélia da Silva Gama.
Ela estava na maior fila de todas: a de transplante de rins. Em 2018, por exemplo, das 32 mil pessoas à espera de um transplante de órgãos, 21 mil estão à espera da cirurgia para transplante renal.
Conheça a história de Lucélia da Silva Gama
A baiana Lucélia da Silva Gama, 41 anos, precisou adiar os sonhos por tempo demais. Aos 30 anos, ela havia se mudado para a Espanha com o sonho de trabalhar e viver no país quando começou a sentir cansaços inexplicáveis, dificuldades para respirar e retenção excessiva de líquidos. A menstruação também atrasou, e foi quando o sonho esbarrou no preconceito. Ao procurar um médico, teve a consulta limitada à certeza de que o problema era sinal de gravidez.
— Eu sabia que era impossível e expliquei que nem tinha namorado. Mas viam uma mulher latina e deduziram que eu estava lá para engravidar e conseguir a residência permanente no país. Então, só testaram o sangue para gravidez e, quando deu negativo, disseram que era “provavelmente” um problema hormonal — recorda ela.
Lucélia precisou retornar para o Brasil depois de apenas seis meses na Espanha. Ao chegar em Salvador, descobriu que o nível de plaquetas — que em uma pessoa saudável varia entre 150.000 e 450.000 por microlitro de sangue — estava tão baixo que ela corria o risco de ter sofrido hemorragia cerebral se o atendimento tivesse demorado mais tempo. O diagnóstico certo finalmente chegou: os sintomas eram causados pela falência de um dos rins.
Começava ali um processo de quatro anos e seis meses de hemodiálise e luta para que esse tempo não fosse perdido sem realizações e experiências felizes. Quando percebeu que na Bahia o transplante de rim nunca viria — os médicos nem chegaram a mencionar a possibilidade a ela —, Lucelia mudou para Minas Gerais.
Em Belo Horizonte, administrava o tempo para trabalhar, estudar e continuar o tratamento, mas, depois de dois anos na fila de espera, decidiu que era hora de uma medida drástica. Ela teria entre as consequências a perda da bolsa de estudos da faculdade de Assistência Social, mas ganhou a oportunidade de reacender os sonhos.
— Soube por outros pacientes que em Joinville o tempo de espera era menor e vim sozinha para a cidade. Na época, havia mais ou menos uns 250 pacientes na minha frente, e mesmo assim eu fiquei só dois meses na fila — conta ela, que fez o transplante em 1º de maio de 2012.
Sozinha na cidade, Lucélia conheceu a Casa Padre Pio, que abriga pessoas de outras cidades que estão em Joinville para tratamentos de saúde. Depois do transplante, tornou-se voluntária na instituição. Agora, já formada como assistente social, ela é profissional contratada da casa de apoio.
— Meu plano para o futuro é me dedicar à minha carreira. Casar um dia, claro, e torcer para que a estimativa de tempo de vida do meu rim, de dez anos, seja superada — afirma.
Conheça a história de Rogério
Na madrugada de 2 de janeiro deste ano, Rogério Oliveira Marinho, 31 anos, recebeu uma ligação que o fez saltar da cama e correr para o hospital. Havia um “frio na barriga” ao passar pela entrada do Centro Cirúrgico do Hospital São José, mas era de alívio: o chamado à 1h40 da manhã era esperado há quatro anos, desde que ele descobrira a falência de um dos rins, e representava uma nova chance de viver sem o tratamento intenso que um paciente renal precisa. Havia chegado a vez dele de receber o transplante de rim.
Rogério tinha 26 anos e a força de quem trabalhava como pedreiro no Tocantins, quando foi diagnosticado. Ele havia começado a sentir fraqueza nas pernas, sem motivos aparentes. Com um filho a caminho, sabia que não era hora de brincar com a saúde e foi procurar o médico.
— Viajei 70 quilômetros até a capital para fazer a consulta e fui internado para começar o tratamento imediatamente. Eu nunca tinha nem ouvido falar de hemodiálise naquela época — conta ele.
Rogério começou a pesquisar e a compreender o que a doença significava. Sabendo que no Tocantins não tinha chances de conseguir um transplante — o Estado não realiza captação de órgãos —, ele decidiu mudar completamente de vida para garantir que ainda a teria por mais do que alguns anos. Escolheu Joinville no mapa e, com a esposa e o filho recém-nascido, deixou para trás os outros parentes, os amigos e o local que conhecia como a palma da mão.
Levaria um ano e meio para que a hora do transplante finalmente chegasse. Durante a espera, o tocantinense não se dedicou apenas às 12 horas de sessões semanais de hemodiálise e aos efeitos que elas causam: ele se envolveu com a Associação Catarinense dos Renais Crônicos e assumiu a presidência em novembro do ano passado.
Na época, defendeu os projetos no campo social, com parceria com os convênios em farmácias e laboratórios e a criação de cursos de qualificação para os pacientes renais, que precisam parar de trabalhar por causa da doença e do tratamento.
Desde que recebeu um novo rim, há dez meses, Rogério viu a saúde voltar e a vontade de fazer exercícios cresceu. Também descobriu que será pai novamente: a esposa, Maysa, está grávida do segundo filho.
— Agora, que eu consigo dar muito mais valor à vida, tudo o que eu quero é viver enquanto Deus me der saúde — afirma.
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