“Neste período aprendi a me cuidar, a escutar e a entender o meu corpo”.
Meu nome é Keli Arenhart Barossi e moro em Herval D’ Oeste, Santa Catarina. Tenho 44 anos, sou casada há 26 anos e tenho dois filhos: Matheus, 25 anos e Emeli 22 anos. Trabalho com artesanato, que é uma das minhas paixões.
Aos 12 anos de idade os exames alertaram que eu sofria com pressão alta. Meu diagnóstico foi pielonefrite crônica. Sabia que não podia engravidar por conta dos riscos. Mas, com 18 anos tive minha primeira gestação. E com 21 fiquei grávida novamente, o que debilitou mais ainda meu rim.
Minha segunda filha nasceu com problemas na perna esquerda e exigia tratamento intenso e cirurgias. Deixei de lado a minha doença renal para cuidar dela. Meu tratamento ficou em segundo plano. Quando comecei a me sentir mal, meu rim já estava quase deixando de funcionar.
Hemodiálise
Consultei com Dr. Hercílio Alexandre da Luz Filho, na Fundação Pró-Rim, que me orientou a fazer a fístula para entrar imediatamente na hemodiálise. Sinto-me muito grata pela generosidade e humanização que ele demonstrou comigo. Comecei esse processo, que não foi muito fácil, pois minhas veias eram fracas. Para conseguir, passei por quatro tentativas desgastantes.
Durante a hemodiálise enfrentei muitos desafios: minha fistula inflamou e não parava o sangramento; precisava sempre tomar injeções no final do processo para estancar o sangue. Foi uma fase muito difícil da vida. Em alguns dias, quando chegava em casa, não conseguia nem cuidar dos meus filhos. Sempre tive o apoio de todos os meus familiares, em especial pai, mãe, irmãs e meu marido que nunca me deixaram sozinha.
Transplante
Já no primeiro mês de hemodiálise, fui a Joinville (SC) realizar meus exames para o transplante, pois sabia que este era o caminho. Meu pai e meu marido fizeram os exames e clinicamente os dois poderiam me doar o rim. Mas o meu pai era o mais compatível. Então foi ele o escolhido.
Depois de nove meses, no dia 26 de janeiro de 2000 realizei meu transplante. A equipe da Fundação Pró-Rim sugeriu que eu levasse algo para me distrair naquele período. Então enchi uma sacola com revistas, agulhas e toalhas para bordar. Para matar a saudade, álbuns com fotos dos meus filhos que eram pequenos. Também levei meu terço e um livrinho de orações, pois sou muito religiosa. Meu marido que havia ficado para trabalhar chegou ao hospital na noite anterior ao transplante.
No dia da cirurgia, meu pai e eu fomos com muita alegria e confiança para encarar esse momento decisivo que aconteceu no início da manha. Foi um sucesso e não teve nenhuma intercorrência. Meu pai ficou cinco dias internado e eu 21 dias, que passaram bem rápido.
No tempo em que fiquei internada meu pai vendeu sua casa em Herval D’Oeste e se mudou para Balneário Camboriú para ficarmos mais perto da Fundação Pró-Rim. Sempre me cuidei, conforme os médicos pedem no início do transplante.
Fiquei um ano comendo tudo quase sem sal e nada de açúcar. Neste período não ergui peso e sempre tomei os remédios nos horários certos. Adoro água. No início do meu transplante cheguei a tomar cinco litros de água por dia, por gostar mesmo. Hoje em dia tomo de dois a três litros diariamente. Meu pai me acompanhou nas consultas. Além de se preocupar comigo, sempre se cuidou muito. Na verdade, um cuidou do outro. E todo o dia 26 de janeiro comemorávamos o transplante como um aniversário de vida.
20 anos de transplante
Sinto uma gratidão infinita, uma alegria muito grande a cada ano comemorado. E comemorar os 20 anos de transplante é uma dádiva indescritível. Afinal, quem viu a vida por um fio, agora olhar para trás e saber que se passaram 20 anos de muita alegria, com sonhos realizados e momentos especiais, tudo isso me torna realizada como mãe, mulher e pessoa. Posso dizer com toda a certeza que sou uma pessoa feliz.
Com muita tristeza recordo que enquanto fazia hemodiálise pensava que não veria meus filhos na comunhão e crisma e que não conseguiria acompanhar o crescimento deles. Alegria total foi poder comemorar estas datas junto com eles, celebrando a vida deles e podendo estar ao lado deles nestes momentos importantes.
Realização
Vivi para ver a comunhão, a crisma e a formatura do terceirão. Minha filha já se formou na faculdade e meu filho se forma neste ano. Fico emocionada só de pensar nestes acontecimentos. Para mim é uma alegria imensa poder participar de todas essas etapas de evolução da vida deles. Nestes 20 anos aprendi a agradecer, a ser mais paciente em todos os sentidos da vida, a aproveitar cada oportunidade. Aprendi a me cuidar, a escutar e entender o meu corpo.
Em 11 de janeiro de 2019, o meu pai partiu desta vida deixando para mim um rim como prova de amor, um pedacinho dele que sempre cuidei e vou continuar cuidando como um tesouro valioso. Depois que ele faleceu outra pessoa entrou em minha vida para eu cuidar e, ao mesmo tempo me alegrar: a pequena Djoulissa, com pouco mais de um ano de idade, uma filha de haitianos que estou cuidando com todo o carinho. Como se fosse minha filha. Uma linda menina que me chama de mãe e chegou como um anjo na minha vida.
Pró-rim
Tudo isso eu devo à Fundação Pró-Rim, que está a estará sempre nas minhas orações. Na minha vida ela fez toda diferença desde o primeiro momento em que pensei em fazer meu transplante. São profissionais humanos, muito atenciosos e sempre prontos a ajudar. Lembro-me muito bem desde o início de minha caminhada, a equipe esclarecendo as dúvidas e me deixando ciente do que seria um transplante renal. Pessoas amigas que ficarão pra sempre em meu coração e na minha saudade.
Para os próximos 20 anos desejo aproveitar ainda muito a vida com minha família, viajar, cuidar bem da minha saúde e dos que vivem comigo. Cada dia é um momento a mais para agradecer e viver bem.
*Texto escrito por Keli Arenhart Barossi.