Toca o meu telefone. Acordo assustado e olho para o relógio. Passam dez minutos das seis horas da manhã. Mesmo sem ver o número de quem me liga sinto que aquele dia vai ser pesado. Era a minha irmã comunicando a morte do meu irmão mais velho. Ele estava se tratando de câncer de próstata.
Sabia que isso iria acontecer. Só não imaginei tão rápido assim. Do outro lado da linha um choro desesperado e uma tentativa inútil de falar. Às pressas, arrumo a mala e corro para buscar o meu filho adolescente na escola. Ele vai viajar comigo para se despedir do tio. Antes de chegarmos ao aeroporto novamente o telefone toca. A voz da minha irmã está mais calma agora, mas ainda confusa. Ela explica o interesse da Central de Captação de Órgãos e quer dividir comigo esta decisão.
A DECISÃO
Durante a minha vida inteira estimulei a doação de órgãos. É um momento de perda e ao mesmo tempo de conforto. Divinamente, agora, você decide se alguém vai poder viver com mais qualidade de vida e por mais tempo, respondi.
A doação de órgãos ainda se constitui num tabu para a nossa sociedade que se diz evoluída. Todos os dias, milhares de rins, fígados, pulmões, córneas, corações, peles, ossos, pâncreas, que poderiam salvar vidas e melhorar a qualidade de vida de muita gente, se perdem na deterioração da ignorância.
É difícil imaginar o egoísmo depois da morte. O materialismo de algumas pessoas não permite a doação de partes do seu corpo, nem após o óbito, mesmo sabendo que em poucas horas as bactérias vão devorá-lo. Estes órgãos significam a ponte entre morrer e viver. Entre a doença e a saúde. Entre a indiferença e a solidariedade.
CONSCIENTIZAÇÃO
É preciso que se encontre uma maneira de sensibilizar as pessoas para a importância do gesto de doar. Lógico que num momento de dor extrema, pela morte de um ente querido, o discernimento fica desfocado.
Mesmo assim, a doação resulta num sentimento de compensação. A angustia da perda se divide com a emoção do desprendimento pleno. É uma forma de renascimento, de perpetuar a vida que se vai. É uma lição de humanidade que só quem recebe a doação pode avaliar.
No entanto, cada dia mais gente continua a morrer nas listas de espera por um órgão. E mais órgãos continuam nos cemitérios, alimentando germes. O primeiro passo para mudar esta situação é conversar abertamente com os familiares. Claro que ninguém gosta de falar em morrer. Mas neste caso, o enfoque é permitir que mais gente continue a viver, é seguir o exemplo do maior personagem da história, de todos os tempos, que se doou por inteiro, em vida, para que todos nós alcançássemos a salvação.
Comente com os familiares que você gostaria de salvar vidas, mesmo depois de ter se esgotado o seu tempo. Fale abertamente sobre isso. Afinal, quem não vai morrer um dia? Sempre fica o perfume nas mãos de quem oferece flores.
LÉO SABALLA – Assessor de Imprensa da Fundação Pró-Rim