Matheus tem seis anos de idade, é torcedor do Flamengo, gosta de brincar com o celular, de assistir aos desenhos na TV, de andar de bicicleta e quando crescer sonha em ser cozinheiro. Assim como toda criança, aguarda ansiosamente pelo seu presente neste sábado, quando é comemorado o Dia das Crianças.
Ele mora em Rio dos Cedros, mas faz hemodiálise todas as segundas, quartas e sextas-feiras em Joinville, no Centro de Tratamento de Doenças Renais (empresa parceira da Fundação Pró-Rim). Nestes dias, Matheus acorda às três e meia da madrugada, quando ele e a mãe pegam a estrada. A criança está na lista de espera para receber um transplante de rim. Mas, para chegar até aqui, muita coisa aconteceu nos últimos meses.
O CHORO AO URINAR
A vida da família sofreu mudança radical a partir do ano passado, quando ao fazer xixi, o menino chorou de dor. “Isso nunca havia acontecido”, relata a mãe, Maria Salete Ferrari Bertoldi. Segundo ela, Matheus sempre foi um garoto inteligente, falante, alegre, ativo e muito forte fisicamente. “Poucas vezes ficou doente e nunca se queixou de nada”, atesta a mãe.
Ela ficou preocupada com reação dele ao urinar e na mesma hora o levou para o hospital de Timbó, cidade próxima onde reside. Após alguns exames, teve a recomendação de transferência para outro hospital, agora, em Blumenau, com mais recursos. Segundo a avaliação, a criança precisaria de uma cirurgia para retirada de uma pedra muito grande no canal da uretra.
Foi o que aconteceu no dia seguinte. A cirurgia foi satisfatória e a uretra desobstruída. Porém, a médica responsável pela operação recomendou que os pais procurassem com urgência um nefrologista, pois, segundo ela, havia muitas pedras na bexiga do menino. Algo que nunca tinha visto. Os exames apontaram que o caso dele poderia ser de extrema gravidade. Esse episódio foi o início do calvário da família de Matheus, que nos meses seguintes percorreu incansavelmente clínicas e hospitais em busca de respostas que levassem à cura do filho.
DOENÇA RARA
Em outra etapa, ele foi transferido para um Hospital em Florianópolis, quando começou a investigação para descobrir as causas de tantos cálculos renais. Havia suspeita de Hiperoxalúria primária, o que na linguagem médica significa uma doença genética, que é um erro inato do metabolismo. Segundo o nefropediatra, Dr. Arthur Ricardo Wendausen, que trata do Matheus em Joinville, “a doença vai impregnando determinados órgãos, como o figado e rim, por um metabólito. É rara e de difícil diagnóstico. Na maioria dos casos acaba evoluindo para óbito”, define o médico. .
A médica que atendeu Matheus em Florianópolis revelou que, se confirmada a suspeita, ele só teria 5% de chance de viver e que não havia muito a fazer. A família era leiga no assunto, estava abalada e não sabia mais a quem recorrer. Naquele período, Matheus começou a fazer diálise peritoneal e teve melhora considerável. Ao tomar conhecimento do estado do garoto, um amigo da família, (irmão da secretária de um reconhecido médico especialista), aconselhou o pai do menino a procurar este médico no Hospital Albert Einstein, em São Paulo.
ANGÚSTIA E ESPERANÇA
A partir daí, angústia e esperança se misturam. Cerca de 30 dias depois, a consulta foi marcada. Porém, outra barreira: os exames teriam de ser feitos nos Estados Unidos, mas o material poderia ser coletado no Brasil. Matheus já estava muito debilitado. Além dos órgãos, essa doença degenerativa afeta os movimentos. Naquele período ele não conseguia mais andar. Segundo avaliação médica, o avanço da doença causaria cegueira, dores insuportáveis nas articulações e dificuldade para circulação do sangue. Ou seja, restaria pouco tempo de vida ao Matheus.
O tempo corria contra, mas os exames chegaram a tempo dos Estados Unidos e confirmaram a suspeita: Hiperoxalúria primária. O próximo passo, urgente e fundamental, seria a realização de um transplante de fígado, o que aconteceu em 22 de outubro de 2018. O doador foi o pai, então com 48 anos. Ele teve retirado 290 gramas do seu fígado e transplantado no pequeno Matheus. Em poucos dias a vida começava a reagir de forma surpreendente e rápida. Ele voltou a ser o menino falante, ativo e alegre de sempre.
VIDA NORMAL
Agora, na hemodiálise, a grande espera é pelo transplante do rim, que vai ser doado pela mãe e assim garantir a recuperação completa da sua saúde para que ele tenha um crescimento saudável. Segundo o médico, Dr. Arthur, o futuro do menino é promissor. “Com este transplante duplo (fígado e rim), mantendo o tratamento como todos os outros transplantados, por imunosupressores, prevenção de doenças infecciosas, ele vai levar uma vida normal, frequentar a escola, praticar atividade física como nadar, ir à praia. Enfim, fazer tudo o que outro transplantado que está bem consegue fazer”, garante o médico.
Uma descoberta comovente ocorreu durante os exames de compatibilidade. Maria Salete ficou sabendo que tem um rim menor que o outro. Ela se emociona ao falar sobre isso: “a vida inteira eu carreguei um rim pequeno dentro de mim e só agora soube desse detalhe. Então compreendo que alguma divindade direcionou toda a minha vida para este momento. Ainda faltam alguns exames, mas acredito que vai dar tudo certo. Ou alguém duvida que essa anomalia rara do meu rim, faz parte de uma conspiração para salvar a vida do meu filho? Tudo isso que aconteceu com ele foi um milagre e eu estou fazendo parte de todo esse processo”, acredita a mãe.